quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A FUGA DO PONTO

Ele passou a perceber que não era mais uma entidade simples, primária, indeterminada, sem substância nem essência...
Percebeu que a partir de si tudo era composto, que era o início, o meio e o fim...
Passou a se considerar um ser.
Sempre fôra manipulado, servindo de apôio, de base para tudo, para os matemáticos, geômetras, calculistas, filósofos...
Entendeu que teria a mesma vida do ser humano que o manipulava...Já que agora existia, se bem que abstratamente, podia pensar...
Já não aguentava mais servir de encontro de todas as retas, semi-retas e paralelas que se encontravam no infinito... Para ele , que vivia em companhia de outros pontos teoricamente seus iguais, tornara-se uma prisão sua existência. Pensou em fugir. - Para onde?
Sabia de suas propriedades, entre outras tais como juntar-se em parcerias com seus iguais, servir de fuga para pontos que mudavam de sentido e quase sempre sem sentido. Até na escrita o utilizavam junto com outro sinal para significar interrogação... Ora, quem interroga tem dúvida, onde há dúvida não há certeza, pode existir culpa...tudo isso lhe causava dissabores.
Sentia um vazio muito grande e a solidão o atormentava quando ficava no centro do círculo, imóvel para dar vida a esse vazio circular, mantendo-se equidistante dos seus irmãos componentes da circunferência limitadora desse espaço.
Sentia imensa curiosidade com aquela limitação. E além daquele espaço, o que haveria?
Ele, sua vida, quem se preocupava com ela? Todos diziam que ele era a base, mas sabia que isso diziam egoisticamente, preocupados apenas em mantê-lo como um insignificante ponto.
Os outros pontos, desconhecedores do seu valor, da suas importâncias, ignorantes dos conhecimentos básicos, despreocupados com as suas existências, nem mesmo sabendo para que serviam ou por quê tinham vindo no plano do espaço-tempo, continuavam a seguir suas direções, caóticas e aleatórias, deixando o acaso governar suas trajetórias, ignorantes que eram escravos das figuras que ajudavam a construir e que o abandonavam tão-logo se constituiam.
Todos esses pensamentos o conduziram a uma tomada de decisão: A alternativa de transpor o seu plano e se lançar ao espaço exterior...Mas, o medo o atormentava: Ir ao desconhecido?
Alguns pontos líderes diziam aos demais que havia no além-espaço a recompensa àqueles que
se mantivessem bons, que não colidissem com os irmãos, que pontualmente cumprissem seu trabalho,que...
Tudo isso somente lhe trazia dúvidas... Como ouvir sem ver? - Nunca quiz discutir com esses
condutores de pensamento. Que adiantaria? - Já sabia as respostas: - Você precisa acreditar nisso! -Quem acredita vê, e quem acredita não duvida !...
Mas ele duvidava e temia: Ao se alçar ao desconhecido, perderia sua forma sabia, mas e sua essência?
Restou-lhe pensar que poderia pedir ajuda aos outros pontos, juntos se transformarem em um segmento de reta e ao final do percurso, voltariam unidos, fortalecidos. Novamente a dúvida lhe traia o pensamento: Talvez os outros pontos estivessem com a mesma idéia e talvez a volta não acontecesse...
Assim, solitàriamente, próprio da sua identidade, na ânsia da fuga, da verdadeira liberdade, a angústia transformou-se em determinação.
Como podia pensar, a razão lhe dissera que se continuasse como estava, estaria eternamente preso.
A idéia surgida deu-lhe a certeza da decisão: - Nem equidistante do centro, nem participando daquela sociedade pontual, onde todos na igualdade, nada significavam, onde a maioria decidia e quase sempre erradamente supondo que a sabedoria está na quantidade e não na qualidade, gerando a suposição de verdade...
Iria agora, impor-se um sentido final, solitário, em direção à uma vida autêntica, não hipócrita, livre: Aproveitou-se da sua propriedade ubíqua de poder estar em todos os lugares...Deu um fim ao apôio que sustentava a circunferência ditadora, limitadora do espaço circular que imoralmente o escravizava e aos seus irmãos os outros pontos...Lembrou-se que não tinha por quê temer; Afinal, quando se sai de algo, nunca se desaparece...vai-se para outro algo...
Saiu do centro, foi ao limite e tangenciou-se, lançando-se em direção ao vazio maior que se lhe apresentou como a libertação total, para o nada Absoluto...
Em 15 de Outubro de 2009 -Walter Torres Arienzo