terça-feira, 3 de agosto de 2010

quinta-feira, 13 de maio de 2010

TRES PONTOS


o PONTO É O IMATERIAL.
O INFINITO, O TUDO, O ESPAÇO, O ESPAÇO-TEMPO, A LUZ, OS CORPOS SÃO PONTOS.
PONTOS JUNTOS, PONTOS SEPARADOS, PONTOS EM MOVIMENTO.
O PONTO PARADO TERMINA SUA EXISTENCIA E DEIXA DE SER INFINITO...
QUANDO UM PONTO SE JUNTA A OUTRO DA MESMA NATUREZA AINDA NÃO SE PODE CHAMAR DE FUSÃO DE IDENTICOS. SE DA JUNTADA DELES RESULTAR UM TERCEIRO HOUVE FUSÃO...
AO CONTRÁRIO DA MATÉRIA, ESSA FUSÃO NÃO SIGNIFICA A DESCARACTERIZAÇÃO OU PERDA.
SE DESSA FUSÃO SE ORIGINAR UM TERCEIRO PONTO, HOUVE ACRÉSCIMO MANTIDAS AS CARACTERISTICAS DOS DOIS PONTOS ANTERIORES, PODENDO ELE SER IGUAL OU PARCIALMENTE IGUAL AOS QUE LHE DERAM ORIGEM.
NO MOVIMENTO DE REPRODUÇÃO PONTUAL, COM DOIS PONTOS JÁ TEM-SE UMA DIREÇÃO, REPRESENTADA POR UMA LINHA SEM FIM...
NO MOVIMENTO DE JUNÇÃO DOS DOIS PONTOS O TERCEIRO DA MESMA ESPÉCIE E NATUREZA PODE MANTER ESSA LINHA, MANTIDA A DIREÇÃO.
CASO A DIREÇÃO SE ALTERE OS 3 PONTOS PODERÃO SE SEPARAR E DADA A QUALIDADE DO MOVIMENTO, POR DISTÃNCIAS PERCORRIDAS IGUAIS COM DIREÇÕES DIFERENTES E PROPORCIONAIS, FORMARÃO ELES FIGURAS ESPACIAIS PLANAS...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Informação: material ou imaterial?

Como aceitar que apenas com uma atividade material possa ser transmitida uma informação? E o conteúdo, como é transferido? Se o emissor envia a informação, mas continua com ela, e o receptor a recebe exatamente igual, então não houve perda. Logo, há algo não material no processo: Isto seria uma prova de que existe o imaterial
Imaginemos a cena: Três filósofos, Platão, Sócrates e Aristóteles, semi-deitados em confortáveis espreguiçadeiras no convés de um navio rumando para as ilhas gregas. Após a sesta:

- Platão acorda e diz: "Sonhei com Zenão";
- Ao mesmo tempo, Sócrates, muito à vontade, ao fazer um alongamento, inadvertidamente, solta um sonoro pum!;
- Um menino, sentado próximo se põe a rir e diz: O vovô peidou!
- Um velhinho descansa de olhos fechados em uma espreguiçadeira, não muito próxima, mas o suficiente para ouvir o diálogo;
- Aristóteles, com a atenção dividida, entende que Platão disse: "sonhei com Zelão. Mas. deduz que interpretou errado e conclui que na verdade Platão deve ter dito Zenão;
- Aristóteles então, diz: "E eu sonhei com... e diz uma frase em persa. Dos outros quatro atores desta cena, apenas o menino não entende.

Inicialmente: podemos distinguir duas coisas: Informação, quando o que é transmitido tem um conteúdo de pensamento, e ruído, como sons do vento, quando isso não acontece.

O que aconteceu em termos de transmissões:
a) Evento 1: Platão com sua fala fez o ar vibrar de certa maneira. Sua intenção foi a de transmitir o que vamos chamar de informação de Platão;
b) Evento 2: Sócrates, com sua "criatividade", de mesma maneira, fez o ar vibrar, e não pretendeu transmitir nenhuma informação (nem mesmo um ruído, mas escapou). Chamemos de ruído de Sócrates;
c) Evento 3: De modo semelhante ao evento 1, Aristóteles emitiu um outro som, com intenção de transmitir uma outra informação: informação de Aristóteles.
d) Aristóteles misturou os dois primeiros eventos e interpretou errado. Mas, usando seu aparelho mental, deduziu a informação correta de Platão e, ajudado pelo sentido do olfato, teve certeza da outra;
e) Sócrates entendeu perfeitamente o que Platão disse, apesar de estar com a atenção meio desviada pela sua própria "interferência". Recebeu as ondas sonoras do evento 1, e, usando sua mente sempre atenta, ficou de posse de uma informação: chamemos de informação recebida por Sócrates. Ela é igual à informação de Platão ( disto ele poderia ter comprovação pelo reenvio para Platão). Desta forma, ele passou a ter conhecimento, posse, da informação de Platão, de todo o seu conteúdo, usando apenas o input físico de ondas sonoras e sua própria mente, que conhece o significado de cada termo resultante da sua própria aplicação sobre as ondas sonoras recebidas. Não precisou de mais nada para isso. Então pergunta-se: qual a razão, a necessidade, de supor que além das ondas sonoras houve algo a mais, imaterial, produzido e transmitido por Platão? Em outros termos, se a informação pode ser montada pelo receptor apenas com a excitação sonora e sua mente, que sentido tem dizer que foi "passada"?
f) O que aconteceu com Aristóteles? ele recebeu duas ondas sonoras, e usando a sua mente separou o ruído emitido por Sócrates e deduziu uma informação diferente daquela de Platão. Usando seus conhecimentos, corrigiu a informação que ele próprio criou, e, de mesmo modo que Sócrates, teve a posse de uma informação igual à de Platão;
g) Platão continuou de posse da sua informação intacta;
h) E o menino? Não prestou atenção na informação de Platão, pois se concentrou no que achou mais interessante que foi o "ruído" emitido pelo vovô ao lado. Daí emitiu um ruído (riso) e, usando seu aparelho mental, construiu e emitiu uma outra informação: " O vovô peidou". Mas o peido em si, pela definição dada no início, foi apenas um ruído, sem conteúdo de pensamento;
i) O velhinho ouviu tudo, entendeu, mas ao olhar não soube quem disse o que pois não conhece a voz de cada um. Quando Platão diz "eu sonhei...", ele não sabe quem é esse eu;
j) O evento 3, de modo semelhante ao descrito em e) foi recebido e transformado em informação. Mas, nesse caso, as mentes de Sócrates de Platão, e do velhinho conseguiram recriar a informação, por conhecerem a língua persa.. Para o menino, o evento 3 foi, de certa forma, apenas ruído, pois não entendeu nada: não conhece persa..

Conclusão: Cada um conseguiu informações ou ruídos a partir de dois fatores:
a) Das excitações físicas, sempre condicionadas às limitações físicas próprias do indivíduo e do ambiente;
b) Das possibilidades (conhecimento, capacidade) de sua própria mente.
Esses dois fatores levaram a que cada um chegasse a diferentes informações, seja entre si, seja em relação às intenções dos emissores.

No linguajar corrente, usamos o termo passar a informação, mas é necessário entender o que realmente ocorre. Conforme explanado no item e), realmente a informação não é passada, ela é recriada na mente do receptor, desde que o receptor tenha condições para fazê-lo. Por ser recriada é que o emissor continua com ela intacta.

Cada um monta sua informação não em função do que o emissor quis transmitir, mas em função de como captou o elemento físico e como interpretou segundo sua mente. Não prevalece a intenção do emissor. É como o caso de formação de nuvens que apresentam formas conhecidas. É comum ocorrer alguém dizer: "vejam, a nuvem desenhou um cachorro!". Na verdade a nuvem não teve qualquer intenção de fazê-lo, o cachorro foi criado na cabeça de quem olhou. O som do vento também às vezes parece querer dizer algo, mas em geral ouvimos o que estamos querendo ouvir. Por isso o velho e importante adágio:
" não importa o que o professor diz, o que importa é o que o aluno entende".

Esse processo de captar o mundo externo, leva a que a mente de cada um crie seu próprio mundo, sua visão, seu universo, sempre diferentes uns dos outros. Cada um entende de uma maneira diferente um mesmo filme.

Assim ocorre o processo de transmissão da informação, sem necessitar de nada de imaterial, embora, por pressuposto, por coerência com sua visão do mundo, alguém possa incluí-la no processo. Convém também mencionar as hipóteses filosóficas dualista e monista. A primeira assume o pressuposto de que o pensamento, criado no processamento mental, é um elemento não material. Por esse elemento entra o imaterial na transferência de informações, ao contrário da monista que assume o pressuposto de que só haja matéria, e seu equivalente energia. Aqui não há a intenção de defender uma ou outra das duas correntes. Apenas se diz que, mesmo na hipótese dualista, o elemento imaterial não é especificamente necessário para a transmissão da informação, não é ela que exige esse elemento imaterial, não sendo então prova da existência do elemento imaterial. Ele só entra devido ao pressuposto assumido, e isto ocorre na mente do receptor ao recriar a informação, não no envio pelo emissor que é apenas um fenômeno físico. Nessa hipótese dualista, nos processamentos na mente, tanto do emissor como do receptor, é que aparece esse elemento, que seria próprio de qualquer operação mental.

Pela hipótese monista, para ocorrer toda a transmissão da informação, há duas operações materiais: na transmissão física externa (do som no caso) e no processamento mental. Na hipótese dualista, há apenas a primeira.

Fica para discussão o conceito de que só é informação quando o sujeito receptor entende, senão é ruído, como o bater das asas das gaivotas que nesse momento sobrevoaram o navio anunciando que as ilhas paradisíacas estavam próximas.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A FUGA DO PONTO

Ele passou a perceber que não era mais uma entidade simples, primária, indeterminada, sem substância nem essência...
Percebeu que a partir de si tudo era composto, que era o início, o meio e o fim...
Passou a se considerar um ser.
Sempre fôra manipulado, servindo de apôio, de base para tudo, para os matemáticos, geômetras, calculistas, filósofos...
Entendeu que teria a mesma vida do ser humano que o manipulava...Já que agora existia, se bem que abstratamente, podia pensar...
Já não aguentava mais servir de encontro de todas as retas, semi-retas e paralelas que se encontravam no infinito... Para ele , que vivia em companhia de outros pontos teoricamente seus iguais, tornara-se uma prisão sua existência. Pensou em fugir. - Para onde?
Sabia de suas propriedades, entre outras tais como juntar-se em parcerias com seus iguais, servir de fuga para pontos que mudavam de sentido e quase sempre sem sentido. Até na escrita o utilizavam junto com outro sinal para significar interrogação... Ora, quem interroga tem dúvida, onde há dúvida não há certeza, pode existir culpa...tudo isso lhe causava dissabores.
Sentia um vazio muito grande e a solidão o atormentava quando ficava no centro do círculo, imóvel para dar vida a esse vazio circular, mantendo-se equidistante dos seus irmãos componentes da circunferência limitadora desse espaço.
Sentia imensa curiosidade com aquela limitação. E além daquele espaço, o que haveria?
Ele, sua vida, quem se preocupava com ela? Todos diziam que ele era a base, mas sabia que isso diziam egoisticamente, preocupados apenas em mantê-lo como um insignificante ponto.
Os outros pontos, desconhecedores do seu valor, da suas importâncias, ignorantes dos conhecimentos básicos, despreocupados com as suas existências, nem mesmo sabendo para que serviam ou por quê tinham vindo no plano do espaço-tempo, continuavam a seguir suas direções, caóticas e aleatórias, deixando o acaso governar suas trajetórias, ignorantes que eram escravos das figuras que ajudavam a construir e que o abandonavam tão-logo se constituiam.
Todos esses pensamentos o conduziram a uma tomada de decisão: A alternativa de transpor o seu plano e se lançar ao espaço exterior...Mas, o medo o atormentava: Ir ao desconhecido?
Alguns pontos líderes diziam aos demais que havia no além-espaço a recompensa àqueles que
se mantivessem bons, que não colidissem com os irmãos, que pontualmente cumprissem seu trabalho,que...
Tudo isso somente lhe trazia dúvidas... Como ouvir sem ver? - Nunca quiz discutir com esses
condutores de pensamento. Que adiantaria? - Já sabia as respostas: - Você precisa acreditar nisso! -Quem acredita vê, e quem acredita não duvida !...
Mas ele duvidava e temia: Ao se alçar ao desconhecido, perderia sua forma sabia, mas e sua essência?
Restou-lhe pensar que poderia pedir ajuda aos outros pontos, juntos se transformarem em um segmento de reta e ao final do percurso, voltariam unidos, fortalecidos. Novamente a dúvida lhe traia o pensamento: Talvez os outros pontos estivessem com a mesma idéia e talvez a volta não acontecesse...
Assim, solitàriamente, próprio da sua identidade, na ânsia da fuga, da verdadeira liberdade, a angústia transformou-se em determinação.
Como podia pensar, a razão lhe dissera que se continuasse como estava, estaria eternamente preso.
A idéia surgida deu-lhe a certeza da decisão: - Nem equidistante do centro, nem participando daquela sociedade pontual, onde todos na igualdade, nada significavam, onde a maioria decidia e quase sempre erradamente supondo que a sabedoria está na quantidade e não na qualidade, gerando a suposição de verdade...
Iria agora, impor-se um sentido final, solitário, em direção à uma vida autêntica, não hipócrita, livre: Aproveitou-se da sua propriedade ubíqua de poder estar em todos os lugares...Deu um fim ao apôio que sustentava a circunferência ditadora, limitadora do espaço circular que imoralmente o escravizava e aos seus irmãos os outros pontos...Lembrou-se que não tinha por quê temer; Afinal, quando se sai de algo, nunca se desaparece...vai-se para outro algo...
Saiu do centro, foi ao limite e tangenciou-se, lançando-se em direção ao vazio maior que se lhe apresentou como a libertação total, para o nada Absoluto...
Em 15 de Outubro de 2009 -Walter Torres Arienzo

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A imagem e o Espelho



A sala estava imersa na escuridão da noite.
Pela janela escondida por amplas cortinas, o nascer do sol se fez presente e os raios tímidos de luz começaram a iluminá-la em forma crescente, fazendo aparecer uma figura quieta, contemplativa, sentada num velho sofá...Frente a ela, um espelho...
A tríade estava composta: homem, espelho, imagem...
Na verdade tudo era uma coisa só.
O espelho estava, como sempre, refletindo tudo em seu campo ótico. Ele passou a ser a imagem e a imagem não era ele. Era algo indefinivel, intocável, sem essência, nem substância. Era sem dúvida algo que tinha suas linhas, seus contornos, mas, o que era aquilo? Sombra e luz, nada mais que isso...
Mesmo assim, a luz apenas permitia que ela própria fosse vista e a sombra não era ela e sim, sua ausência... Ambas porém na imagem se juntavam, o que não produzia um contra-senso mas uma contrariedade positiva permitindo que coexistissem; Essa mesma imagem não se fixava, e a sua mutabilidade dependia da luz que se projetava na superfície espelhada.
À medida que a Terra e seu dia caminhavam, com o sol iludindo que os seguia também, a sala se deixava penetrar pelas sombras furtivas devorando objetos... A figura refletida, o homem sentado e imóvel, já não era, à tarde, o mesmo da manhã... Seu rosto adquiriu um novo perfil, seus olhos não mais brilhavam, seus cabelos brancos enegreceram sem luz e a penumbra escondia seu semblante frustrado...
Não havia meios dele lembrar como fora pela manhã e como estava sendo agora...
Seu pensamento fugiu da visão refletida, vagou incerto em auto-memória, refugiando-se no porta-retrato esquecido e cheio de pó, armado sobre um antigo escaninho... Comparou então a imagem que o tempo fixou, com aquela que agora via...Que sensação extranha!... Eram coisas, objetos, jogos de luz, de sombra? O que eram, não conseguia entender. Percebia apenas suas diferenças... Sabia que tinha sido aquela criança. Ela se fora, alguém imobilizou-a no tempo, em fotografia, gravando no papel uma fase de sua vida ele assim também fez, com sua memória...
Uma dúvida assolou seu espírito: A luz grava o instante que se repete e se remete ao futuro e se perde no tempo? O real se transforma, morrendo a seguir? O que é a realidade? O que sou neste exato momento? As coisas mudam enquanto repenso o que fui no passado?
Deprimido entre o real e o imaginário, percebeu que estava consigo com um eu que fora e que agora é outro. Confuso, via suas dúvidas aumentarem, perguntas sem respostas, nada mais a meditar já que com o avançar da tarde esta permitia o adentrar da noite e com esta chegando, a luz no ambiente fugiu, desmaterializando as formas, os entornos. As sombras invasoras ocuparam todo o espaço da sala que, junto com o espelho e a imagem do homem, se fundiram restando somente o vazio da escuridão,a plenitude do nada e alguém angustiado em uma velha poltrona sentado...

terça-feira, 14 de julho de 2009

O círculo
Tudo começou com um ponto, parado, vazio.
De repente, do nada, no seu íntimo surge uma inquietação, um incômodo, que se transforma em uma angústia. Tenho que me mexer, me movimentar, sair desta prisão-limite de espaço, pensa ele.
Do incomensurável esforço nasce o embrião de um passo, mínimo, mas que logo se converte em um passo real, um caminho, uma reta que se desenha no plano, no plano de sua existência. Anda mais, corre, corre a esmo, sem saber para onde, até se exaurir. Distante de seu ninho, surge o medo, vira-se rapidamente e a ele volta, volta à origem, à segurança.
No dia seguinte, repete a experiência, e a cada vez se sente mais seguro. Mas a monotonia trás de novo a inquietação e a coragem acumulada lhe trás uma ideia: por que ao final da linha não mudar de direção? E surge uma nova linha, um novo ângulo para ver as coisas, ver o mundo que se descortina no plano recém nascido.
Inteligente, percebe que se, ao final do segmento que passou a percorrer na nova linha, fizer outra mudança, poderá voltar à linha inicial – que beleza, que maravilha, com este triângulo não precisará ficar passando nos mesmos lugares para voltar ao seu ninho, sua segurança.
Passou a ter gosto pela brincadeira, e criou novas retas, criou novas figuras, cada vez com mais lados, mil outras maneiras de ver. A cada vértice uma nova visão de seu espaço, dos limites de seu espaço, mas sem precisar sair dessa área que criou para si, dentro do espaço infinito daquele plano.
A cada vez menor era o trecho que tinha que percorrer para ter uma nova perspectiva de seu mundo, mas também, na mesma medida, mais cada uma se parecia com a anterior, mais convergiam para um único ponto central, equidistante de todos. Então, em um tempo infinito, chegou à continuidade e apercebeu-se que havia criado o círculo: não eram mais retas, tinha curvas e mais curvas, que delícia passear por elas.
Entretanto, esse movimento, infinito mas limitado, fechado em si mesmo, onde não conseguia novamente encontrar seu berço, seu ninho, tão confortável e seguro, o fazia sentir-se em um mundo onde o fim e o começo se perderam, onde, a cada instante, passava por um novo ponto, mas cada novo ponto era o mesmo que o anterior, a mudança era ilusória. As curvas eram sempre novas, mas sempre as mesmas, era a mais perfeita rotina sendo criada.
A angústia inicial renasce, cresce no repetir incessante, no mudar-não mudar, até que compreende que o círculo é a angústia de si mesmo. Esta compreensão, esse conhecimento, se torna insuportável, e então ele se atira no abismo do espaço interno, se agarra e se imobiliza no ponto central, útero do círculo, que agora será o seu túmulo.

sábado, 11 de julho de 2009


Eu narciso


Narciso, na mitologia grega, ao olhar-se no lago, descobriu sua beleza e ficou fascinado. Mas, se pensarmos em Sócrates, que pregava o aforismo "conhece-te a ti mesmo", inscrito no templo de Apolo em Delfos, estaria Narciso apenas tentando se conhecer? A mitologia se inspirou em Sócrates, ou foi o inverso? O espelho mostra-nos o próprio rosto, mas, os olhos nele inseridos, mostrarão nossa alma?
Caravaggio retrata Narciso fiel à mitologia, extasiado, olhando-se no lago; Dali desestrutura a figura e adiciona símbolos criando um ambiente surreal; Borges, no poema "Borges e Eu", contrapõe a figura do Borges pessoa, cidadão comum, ao Borges escritor.
Em todas as visões, o que se coloca é a relação entre aquilo que se vê e aquilo que se é. O narciso do lago se extasia com sua beleza, o narciso de Dali vê o que o seu rosto não mostra, e o narciso de Borges vê o que os outros não vêem.
O narciso de Sócrates é o caminho da sabedoria. O narciso da mitologia, atento apenas à aparência, morre. Em oposição, o de Borges tenta não se iludir, mas seu fim é ser absorvido pela própria imagem feita para os outros, pelos outros. O narciso de Dali se despedaça, se distorce, se duplica, se desfigura para se conhecer, sobram apenas ossos irreconhecíveis. Em Dali não se sabe mais o que é real e o que é sonho, o que é vida e o que é morte. Mas sobrevive a esperança na flor que, teimosa, renasce.
E eu, como sou? De onde Narciso tirou a percepção de que é belo? - ela nasceu com ele?
A foto mostra como eu era, jovem, tranqüilo, mas posso nela antever o que sou? quem é esse que povoa essa foto, qual a idade dela, ou ela não tem idade? Se fotografia é um espelho dotado de memória, que memórias ela me traz? Se eu pudesse dialogar com ela, o eu hoje e o eu ontem, o que um diria do outro? O eu ontem, ao saber o que viria a ser, continuaria a ser? O que está lá que não está mais aqui? O corpo é outro, mas há algo que seja imaterial, algo atemporal, algo imutável? Conhecer cada resposta não é possível e na verdade não importa, o que importa é questionar-se. Responder é assassinar a pergunta. Com esta se descortinam possibilidades, se abre o caminho para a transformação de si mesmo, para a libertação das amarras de ser, seja lá o que for, para estar sendo, seja lá o que for.
Talvez não exista a identidade e esta não seja mais do que memórias vistas e revistas ao passar do tempo, sempre com novas cenas que se sobrepõem às antigas, amontoando-se como camadas geológicas que se compactam, se distorcem, se misturam, produzindo ao final uma imagem de solidez que leva à ilusão de individualidade, unidade, identidade.
A matéria muda, o espírito muda, matéria e espírito, de mesmo modo que matéria e energia, são uma coisa só, apenas duas formas de ver, duas formas de se apresentar.
Olho a foto, gosto dela, é com recuperar parte de mim, um orgulho de ter sido isso. Ela reflete um rosto, sonhos, angústias, medos, desejos, expectativas, lembranças. Sempre gostei de arqueologia, é recuperar o que se dava por perdido. Ao vê-la, pode-se evocar o passado, rever os sonhos de outrora: realizar-se na vida profissional, ter uma família, viajar. Hoje eles foram realizados ou esquecidos, superados. Outros sonhos os substituem, sem sonhos não há vida. Que bom seria poder ver hoje uma foto tirada no futuro e nela ver os sonhos que virão.
O tempo é um mistério, passado, presente, futuro, muda o interior, muda o exterior, a cada instante sou outro, cada ato me transforma. Ao agir, o mais importante não é o que resulta de prático, de útil, em cada ato, o que importa é no que me transformo. Conforme o ato poderei vir a ser uma pessoa melhor, pior, mais alegre, mais triste, tudo dependerá de mim ao escolher como agir.
Numa certa medida, de uma certa forma, continuamente me olho no lago, me revolvo, me despedaço, me escondo atrás de mim mesmo. Percebo que há múltiplos eus: trabalhador; amante; amigo; poeta; um ser anônimo, até para mim mesmo. Me perco no labirinto tentando descobrir o que sou, o que penso que sou, o que penso que os outros acham que sou. Não encontro resposta, mas, ao procurar, me conheço melhor.
Enquanto meu inconsciente se alterna entre eu ovo e eu cadáver, a vida segue entre narcisos.
Valter Hernandez