segunda-feira, 26 de abril de 2010

Informação: material ou imaterial?

Como aceitar que apenas com uma atividade material possa ser transmitida uma informação? E o conteúdo, como é transferido? Se o emissor envia a informação, mas continua com ela, e o receptor a recebe exatamente igual, então não houve perda. Logo, há algo não material no processo: Isto seria uma prova de que existe o imaterial
Imaginemos a cena: Três filósofos, Platão, Sócrates e Aristóteles, semi-deitados em confortáveis espreguiçadeiras no convés de um navio rumando para as ilhas gregas. Após a sesta:

- Platão acorda e diz: "Sonhei com Zenão";
- Ao mesmo tempo, Sócrates, muito à vontade, ao fazer um alongamento, inadvertidamente, solta um sonoro pum!;
- Um menino, sentado próximo se põe a rir e diz: O vovô peidou!
- Um velhinho descansa de olhos fechados em uma espreguiçadeira, não muito próxima, mas o suficiente para ouvir o diálogo;
- Aristóteles, com a atenção dividida, entende que Platão disse: "sonhei com Zelão. Mas. deduz que interpretou errado e conclui que na verdade Platão deve ter dito Zenão;
- Aristóteles então, diz: "E eu sonhei com... e diz uma frase em persa. Dos outros quatro atores desta cena, apenas o menino não entende.

Inicialmente: podemos distinguir duas coisas: Informação, quando o que é transmitido tem um conteúdo de pensamento, e ruído, como sons do vento, quando isso não acontece.

O que aconteceu em termos de transmissões:
a) Evento 1: Platão com sua fala fez o ar vibrar de certa maneira. Sua intenção foi a de transmitir o que vamos chamar de informação de Platão;
b) Evento 2: Sócrates, com sua "criatividade", de mesma maneira, fez o ar vibrar, e não pretendeu transmitir nenhuma informação (nem mesmo um ruído, mas escapou). Chamemos de ruído de Sócrates;
c) Evento 3: De modo semelhante ao evento 1, Aristóteles emitiu um outro som, com intenção de transmitir uma outra informação: informação de Aristóteles.
d) Aristóteles misturou os dois primeiros eventos e interpretou errado. Mas, usando seu aparelho mental, deduziu a informação correta de Platão e, ajudado pelo sentido do olfato, teve certeza da outra;
e) Sócrates entendeu perfeitamente o que Platão disse, apesar de estar com a atenção meio desviada pela sua própria "interferência". Recebeu as ondas sonoras do evento 1, e, usando sua mente sempre atenta, ficou de posse de uma informação: chamemos de informação recebida por Sócrates. Ela é igual à informação de Platão ( disto ele poderia ter comprovação pelo reenvio para Platão). Desta forma, ele passou a ter conhecimento, posse, da informação de Platão, de todo o seu conteúdo, usando apenas o input físico de ondas sonoras e sua própria mente, que conhece o significado de cada termo resultante da sua própria aplicação sobre as ondas sonoras recebidas. Não precisou de mais nada para isso. Então pergunta-se: qual a razão, a necessidade, de supor que além das ondas sonoras houve algo a mais, imaterial, produzido e transmitido por Platão? Em outros termos, se a informação pode ser montada pelo receptor apenas com a excitação sonora e sua mente, que sentido tem dizer que foi "passada"?
f) O que aconteceu com Aristóteles? ele recebeu duas ondas sonoras, e usando a sua mente separou o ruído emitido por Sócrates e deduziu uma informação diferente daquela de Platão. Usando seus conhecimentos, corrigiu a informação que ele próprio criou, e, de mesmo modo que Sócrates, teve a posse de uma informação igual à de Platão;
g) Platão continuou de posse da sua informação intacta;
h) E o menino? Não prestou atenção na informação de Platão, pois se concentrou no que achou mais interessante que foi o "ruído" emitido pelo vovô ao lado. Daí emitiu um ruído (riso) e, usando seu aparelho mental, construiu e emitiu uma outra informação: " O vovô peidou". Mas o peido em si, pela definição dada no início, foi apenas um ruído, sem conteúdo de pensamento;
i) O velhinho ouviu tudo, entendeu, mas ao olhar não soube quem disse o que pois não conhece a voz de cada um. Quando Platão diz "eu sonhei...", ele não sabe quem é esse eu;
j) O evento 3, de modo semelhante ao descrito em e) foi recebido e transformado em informação. Mas, nesse caso, as mentes de Sócrates de Platão, e do velhinho conseguiram recriar a informação, por conhecerem a língua persa.. Para o menino, o evento 3 foi, de certa forma, apenas ruído, pois não entendeu nada: não conhece persa..

Conclusão: Cada um conseguiu informações ou ruídos a partir de dois fatores:
a) Das excitações físicas, sempre condicionadas às limitações físicas próprias do indivíduo e do ambiente;
b) Das possibilidades (conhecimento, capacidade) de sua própria mente.
Esses dois fatores levaram a que cada um chegasse a diferentes informações, seja entre si, seja em relação às intenções dos emissores.

No linguajar corrente, usamos o termo passar a informação, mas é necessário entender o que realmente ocorre. Conforme explanado no item e), realmente a informação não é passada, ela é recriada na mente do receptor, desde que o receptor tenha condições para fazê-lo. Por ser recriada é que o emissor continua com ela intacta.

Cada um monta sua informação não em função do que o emissor quis transmitir, mas em função de como captou o elemento físico e como interpretou segundo sua mente. Não prevalece a intenção do emissor. É como o caso de formação de nuvens que apresentam formas conhecidas. É comum ocorrer alguém dizer: "vejam, a nuvem desenhou um cachorro!". Na verdade a nuvem não teve qualquer intenção de fazê-lo, o cachorro foi criado na cabeça de quem olhou. O som do vento também às vezes parece querer dizer algo, mas em geral ouvimos o que estamos querendo ouvir. Por isso o velho e importante adágio:
" não importa o que o professor diz, o que importa é o que o aluno entende".

Esse processo de captar o mundo externo, leva a que a mente de cada um crie seu próprio mundo, sua visão, seu universo, sempre diferentes uns dos outros. Cada um entende de uma maneira diferente um mesmo filme.

Assim ocorre o processo de transmissão da informação, sem necessitar de nada de imaterial, embora, por pressuposto, por coerência com sua visão do mundo, alguém possa incluí-la no processo. Convém também mencionar as hipóteses filosóficas dualista e monista. A primeira assume o pressuposto de que o pensamento, criado no processamento mental, é um elemento não material. Por esse elemento entra o imaterial na transferência de informações, ao contrário da monista que assume o pressuposto de que só haja matéria, e seu equivalente energia. Aqui não há a intenção de defender uma ou outra das duas correntes. Apenas se diz que, mesmo na hipótese dualista, o elemento imaterial não é especificamente necessário para a transmissão da informação, não é ela que exige esse elemento imaterial, não sendo então prova da existência do elemento imaterial. Ele só entra devido ao pressuposto assumido, e isto ocorre na mente do receptor ao recriar a informação, não no envio pelo emissor que é apenas um fenômeno físico. Nessa hipótese dualista, nos processamentos na mente, tanto do emissor como do receptor, é que aparece esse elemento, que seria próprio de qualquer operação mental.

Pela hipótese monista, para ocorrer toda a transmissão da informação, há duas operações materiais: na transmissão física externa (do som no caso) e no processamento mental. Na hipótese dualista, há apenas a primeira.

Fica para discussão o conceito de que só é informação quando o sujeito receptor entende, senão é ruído, como o bater das asas das gaivotas que nesse momento sobrevoaram o navio anunciando que as ilhas paradisíacas estavam próximas.