segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A imagem e o Espelho



A sala estava imersa na escuridão da noite.
Pela janela escondida por amplas cortinas, o nascer do sol se fez presente e os raios tímidos de luz começaram a iluminá-la em forma crescente, fazendo aparecer uma figura quieta, contemplativa, sentada num velho sofá...Frente a ela, um espelho...
A tríade estava composta: homem, espelho, imagem...
Na verdade tudo era uma coisa só.
O espelho estava, como sempre, refletindo tudo em seu campo ótico. Ele passou a ser a imagem e a imagem não era ele. Era algo indefinivel, intocável, sem essência, nem substância. Era sem dúvida algo que tinha suas linhas, seus contornos, mas, o que era aquilo? Sombra e luz, nada mais que isso...
Mesmo assim, a luz apenas permitia que ela própria fosse vista e a sombra não era ela e sim, sua ausência... Ambas porém na imagem se juntavam, o que não produzia um contra-senso mas uma contrariedade positiva permitindo que coexistissem; Essa mesma imagem não se fixava, e a sua mutabilidade dependia da luz que se projetava na superfície espelhada.
À medida que a Terra e seu dia caminhavam, com o sol iludindo que os seguia também, a sala se deixava penetrar pelas sombras furtivas devorando objetos... A figura refletida, o homem sentado e imóvel, já não era, à tarde, o mesmo da manhã... Seu rosto adquiriu um novo perfil, seus olhos não mais brilhavam, seus cabelos brancos enegreceram sem luz e a penumbra escondia seu semblante frustrado...
Não havia meios dele lembrar como fora pela manhã e como estava sendo agora...
Seu pensamento fugiu da visão refletida, vagou incerto em auto-memória, refugiando-se no porta-retrato esquecido e cheio de pó, armado sobre um antigo escaninho... Comparou então a imagem que o tempo fixou, com aquela que agora via...Que sensação extranha!... Eram coisas, objetos, jogos de luz, de sombra? O que eram, não conseguia entender. Percebia apenas suas diferenças... Sabia que tinha sido aquela criança. Ela se fora, alguém imobilizou-a no tempo, em fotografia, gravando no papel uma fase de sua vida ele assim também fez, com sua memória...
Uma dúvida assolou seu espírito: A luz grava o instante que se repete e se remete ao futuro e se perde no tempo? O real se transforma, morrendo a seguir? O que é a realidade? O que sou neste exato momento? As coisas mudam enquanto repenso o que fui no passado?
Deprimido entre o real e o imaginário, percebeu que estava consigo com um eu que fora e que agora é outro. Confuso, via suas dúvidas aumentarem, perguntas sem respostas, nada mais a meditar já que com o avançar da tarde esta permitia o adentrar da noite e com esta chegando, a luz no ambiente fugiu, desmaterializando as formas, os entornos. As sombras invasoras ocuparam todo o espaço da sala que, junto com o espelho e a imagem do homem, se fundiram restando somente o vazio da escuridão,a plenitude do nada e alguém angustiado em uma velha poltrona sentado...

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens!! Profundo e verdadeiro! O homem está em constante "mutação" e sofre interferências do meio que o cerca.
Mutação??? ou será melhor "lapidação"....fica à reflexão..