terça-feira, 14 de julho de 2009

O círculo
Tudo começou com um ponto, parado, vazio.
De repente, do nada, no seu íntimo surge uma inquietação, um incômodo, que se transforma em uma angústia. Tenho que me mexer, me movimentar, sair desta prisão-limite de espaço, pensa ele.
Do incomensurável esforço nasce o embrião de um passo, mínimo, mas que logo se converte em um passo real, um caminho, uma reta que se desenha no plano, no plano de sua existência. Anda mais, corre, corre a esmo, sem saber para onde, até se exaurir. Distante de seu ninho, surge o medo, vira-se rapidamente e a ele volta, volta à origem, à segurança.
No dia seguinte, repete a experiência, e a cada vez se sente mais seguro. Mas a monotonia trás de novo a inquietação e a coragem acumulada lhe trás uma ideia: por que ao final da linha não mudar de direção? E surge uma nova linha, um novo ângulo para ver as coisas, ver o mundo que se descortina no plano recém nascido.
Inteligente, percebe que se, ao final do segmento que passou a percorrer na nova linha, fizer outra mudança, poderá voltar à linha inicial – que beleza, que maravilha, com este triângulo não precisará ficar passando nos mesmos lugares para voltar ao seu ninho, sua segurança.
Passou a ter gosto pela brincadeira, e criou novas retas, criou novas figuras, cada vez com mais lados, mil outras maneiras de ver. A cada vértice uma nova visão de seu espaço, dos limites de seu espaço, mas sem precisar sair dessa área que criou para si, dentro do espaço infinito daquele plano.
A cada vez menor era o trecho que tinha que percorrer para ter uma nova perspectiva de seu mundo, mas também, na mesma medida, mais cada uma se parecia com a anterior, mais convergiam para um único ponto central, equidistante de todos. Então, em um tempo infinito, chegou à continuidade e apercebeu-se que havia criado o círculo: não eram mais retas, tinha curvas e mais curvas, que delícia passear por elas.
Entretanto, esse movimento, infinito mas limitado, fechado em si mesmo, onde não conseguia novamente encontrar seu berço, seu ninho, tão confortável e seguro, o fazia sentir-se em um mundo onde o fim e o começo se perderam, onde, a cada instante, passava por um novo ponto, mas cada novo ponto era o mesmo que o anterior, a mudança era ilusória. As curvas eram sempre novas, mas sempre as mesmas, era a mais perfeita rotina sendo criada.
A angústia inicial renasce, cresce no repetir incessante, no mudar-não mudar, até que compreende que o círculo é a angústia de si mesmo. Esta compreensão, esse conhecimento, se torna insuportável, e então ele se atira no abismo do espaço interno, se agarra e se imobiliza no ponto central, útero do círculo, que agora será o seu túmulo.

3 comentários:

Anônimo disse...

O círculo oculta, aparentemente o feto e o ventre mãe. A prisão ventral, a busca do feto pela liberdade, a procura do caminho reto para emergir da bolsa circular, imergindo no mundo das medidas geométricas, das linhas que policiam tal liberdade, e ao mesmo tempo, infinitamente esse mundo nos escraviza, nos força aos hábitos ao dever, ao devir, ao vício fugaz dos costumes , ambos nos levando à alguma forma de destruição do ser no ente, parecem fazer parte deste brilhante ensaio sobre o metafísico na física, o que ontologicamente cai na lógica existencial. A angústia me parece estar na tangente física entre a subjetiva alegria de viver e a queda objetiva em direção ao ponto inercial, volta ao passado original.

Regina disse...

Do ponto ao círculo muitos caminhos são percorridos.
Uma bela imagem poética da geometria.

WALTER TORRES ARIENZO disse...

O círculo é o espaço que a o ponto permite a existência, daí a angústia e do estresse que ele sofre ao permitir essa ocupação. Ele próprio passa a fazer parte desse espaço, preenche o vazio existencial, mas se prende a ele.Dai a vontade da fuga, em busca de uma liberdade ilusória, já que liberdade liberta de uma prisão e conduz à outra prisão, infinitamente ocorrendo esse processo de forma permanente na vida pontual...